No ano passado fiz uma palestra na Pet South America e gostaria de compartilhar com vocês o conteúdo.
Assim como eu, outros adestradores ou profissionais pet da minha geração vivenciaram nessas duas décadas uma evolução e porque não dizer, uma verdadeira revolução no treinamento, na educação e na nossa relação com os cães. Estas mudanças causaram um impacto no adestramento como um todo, porém mais expressivamente no adestramento pet. Há vinte anos não sabíamos quase nada sobre os cães, porém hoje em dia... hoje também não sabemos quase nada... brincadeira… Hoje sabemos um pouco e este pouco, já foi suficiente para mudar radicalmente as formas de educação, treinamento e manejo de cães. Vale ressaltar que nem todos os profissionais acompanharam essas evoluções por completo e ainda existe no universo do cão doméstico, muito estresse e abuso desnecessários. Mas, a parte do adestramento pet que não mudou ou que mudou apenas nas formas de castigar não me interessa e não pretendo falar sobre ela. O que desejo é falar sobre o que mudou e o que evoluiu nesses últimos vinte anos.
Antes de começar, gostaria de ressaltar que esta é uma crônica baseada nas minhas observações pessoais e não uma pesquisa histórica. Além disso, falo mais especificamente sobre o adestramento pet no Brasil.
A CHEGADA DOS PETISCOS
Curiosamente, alguns acreditam que o treinamento com petiscos começou no adestramento de cães para circo. Durante quase uma década, pode-se dizer que essa foi a única mudança realmente benéfica para os cães no que se diz respeito ao seu treinamento. Há vinte anos, treinar um cão era ensinar obediência básica e puni-lo por qualquer coisa “errada” que fizesse. Foi isso que a maioria de nós, adestradores “positivos” fazíamos há vinte anos atrás. A origem do adestramento pet com petisco no Brasil, se deu através do livro Adestramento Inteligente. Na época, poucos cursos usavam formas de reforço positivo e o uso de petiscos no treinamento de cães era renegado e ou desconhecido pela a maioria dos adestradores. Interessante como treinar um predador usando comida pode parecer estranho para alguém, não é? Um cão não sabe o que é um reforço positivo ou recompensa. Imagino que ele “saiba” que conquistou uma parte dos recursos que precisa pra continuar vivo, quando realiza ou apresenta determinado comportamento, nada além disso. Infelizmente, assim como no meu livro o Adestramento natural, o livro Adestramento inteligente ainda trás formas de punição positiva e ferramentas aversivas, as quais devem ser esquecidas.
Não importa como um cão se comporta. O que deve importar é se ele está bem, saudável, feliz e se suas necessidades estão sendo supridas. Se um cão está bem e feliz, você terá uma convivência fácil e uma boa relação com ele. Terá um cão que lhe entende e coopera quando é preciso. Alguns anos atrás eu teria dito “um cão que lhe obedece”
A INTERNET
Acredito que muitos aqui já conhecem a história do Adestrador Online. Eu criei esse fórum para dar dicas de adestramento há aproximadamente 15 anos e por quase uma década o AOL era um local de encontro e troca de conhecimento cinófilo que possuía vida própria. Através do meu trabalho na internet eu me tornei um ativista pelo bem estar dos cães, buscando conscientizar tutores, assim como influenciar profissionais a adotarem formas não aversivas de educação e manejo, mesmo que na época, eu mesmo não tivesse a consciência do que isso significa. Várias pessoas, profissionais e amadores, doaram seu tempo com um único objetivo, proporcionar as melhores e mais atuais informações em benefício dos cães e das pessoas que os amam. Passaram pelo AOL qualquer cachorreiro internauta amador ou profissional que falasse português. Chegamos a ter 15 mil impressões de página por dia, o que era muita coisa há 10 anos. Inclusive passaram pessoas que se tornaram referências brasileiras no adestramento e tenho um enorme orgulho disso. Ver alguns destes nomes aqui no AOL novamente é emocionante.
A internet tem o seu lado ruim também. Temos muitos influenciadores de opinião que nada mais propagam, do que uma opinião. Não se baseiam em evidências e acabam por ser apenas o eco do que pensávamos no passado. Ainda existe uma necessidade do “homem” de “ser jogado aos lobos e voltar liderando a matilha”. Esta mentalidade, mesmo que em processo de extinção, infelizmente ainda sobrevive na mídia, entre os treinadores de cães, assim como em muitos tutores. Acredito que isso ocorre com quem ainda é à favor do castigo como forma de educação e qualquer teoria que alimenta esta visão é simplesmente aceita. As pessoas podem escolher a realidade em que vivem com muita facilidade e encontram com a mesma facilidade formadores de opinião, que na verdade simplesmente pensam como eles.
A "CHEGADA" DA CIÊNCIA
A ciência sempre existiu, porém ela estava muito longe do alcance dos adestradores no passado. Era necessário procurar extensamente e pagar uma pequena fortuna para ler cada estudo publicado. Não havia YouTube, o Google estava começando e não havia sequer internet ao alcance do grande público. Todo o conhecimento era passado em cursos, no boca-a-boca e através de textos e livros, com visões individuais sobre o comportamento canino e sobre qual metodologia deveria ser usada. Incrivelmente, isso ainda acontece, já que existem profissionais que não acataram a ciência, mesmo com o fácil acesso que temos a ela nos dias de hoje. Este encontro com a ciência aconteceu de forma mais impactante, para nós brasileiros, com a publicação do livro Cão Senso há pouco menos de um década. Nele, o fenomenal John Bradshaw, reuniu em aproximadamente 400 páginas, grosso modo, todas as pesquisas científicas até então publicadas, referentes aos cães e aos lobos que teoricamente teriam dado origem aos cães. Hoje já sabemos que nem sequer descendentes dos lobos cinzentos os cães são. Daquele momento em diante um divisor de águas foi criado e você poderia escolher continuar “vivendo” no passado ou entrar em uma nova era de conhecimento e consciência em relação aos cães.
AS FONTES DE INFORMAÇÃO E REFERÊNCIAS MUDARAM
O berço do adestramento no Brasil é o adestramento militar fundamentado no Schutzhund, hoje chamado de IPO. Durante bastante tempo, o treinamento usado em cães de polícia no passado, era o mesmo aplicado no atendimento domiciliar. Com o acesso à informação, um adestrador pet moderno passou a buscar conhecimento não somente com adestradores, mas também em livros e pesquisas científicas atuais. Alguns adestradores, deixaram inclusive de ser referência para muitos de nós, porque não se atualizaram e ou porque ainda acreditam no uso de aversivos. Hoje em dia, quem dita o que deve ou pode ser feito a um cão é a ciência. São etólogos e veterinários comportamentalistas que definem através de estudos cuidadosos, as bases para o trabalho que desenvolvemos. A experiência dos adestradores ainda possui extrema importância porque o universo da prática anda com o da ciência. Nem a ciência e nem a prática atingem todo seu potencial se caminharem separadas.
Sem uma formação acadêmica, nós adestradores temos um festival de opiniões, metodologias “próprias” e até mesmo centenas de certificações diferentes. Isso está mudando e cada vez mais falamos a “mesma língua”. Isso ocorre devido à pesquisas científicas e estudos realizados por pessoas gabaritadas para este fim. Graças à ciência, um grupo grande de pessoas como nós aqui, pensa da mesma forma e tem os mesmos objetivos quando falamos de educação e manejo de cães.
O TRABALHO DO ADESTRADOR MUDOU
Embora uma boa parte dos adestradores ainda ensinam cães no seu dia-a-dia, uma parcela cada vez maior vem ensinando pessoas. Um adestrador pet moderno, ao meu ver, é um assessor ou consultor que além do conhecimento e habilidade com os cães, precisa saber transferir esse conhecimento para os humanos que atende. Podemos caracterizar a profissão de um adestrador pet, como uma mistura de professor e psicólogo, havendo casos onde um adestrador mudará comportamentos sem sequer ter contato direto com o cão.
Entrar em um quintal de peito aberto com um cão adulto, potencialmente perigoso e “esperando pra fazer aula”, como alguns ainda fazem, é um ato de loucura que fazia parte do nosso cotidiano.
Houve uma ocasião em que fui atender um lar à beira da lagoa em Florianópolis. Para chegar até lá, eu tinha que pegar um barco e descer em um píer que fazia parte da propriedade. Não havia muro ou cerca e no momento em que desembarquei, um rottweiler adulto veio correndo dar as “boas vindas”. Ele veio até mim, ficou de pé com as patas no meu peito e começou a rosnar. Tentando ficar imóvel, falei com a voz mais tranquila que consegui com uma pessoa que estava há trinta metros de mim. Perguntei se ela tinha algum petisco. Felizmente, ela possuía um pacote de bifinhos, cuja a embalagem produzia aquele som mágico, capaz de atrair muitos cães a longas distâncias. Um outro momento louco como este não teve um final tão feliz. Cheguei em uma propriedade, toquei a campainha e portão se abriu, um mestiço de pastor alemão me olhou, partiu na minha direção e literalmente me atacou.
Hoje em dia, cães reativos, ansiosos e ou potencialmente perigosos, estarão em outro ambiente quando chego e o contato será feito se necessário e no tempo necessário, que pode variar de minutos há semanas. Como citei, ainda existem casos onde iremos à residência, mas jamais faremos nós mesmos o manejo de um cão. Há situações onde isso pode ser necessário para a nossa segurança e ou para o bem estar desse cão.
Ensinar exercícios transformou-se em adaptar, incluir socialmente, proporcionar segurança e bem estar. Inclusive há lares onde um cão nem aprenderá exercícios como “senta”, “deita” e os comportamentos serão obtidos, contidos ou controlados apenas através de instruções de manejo. Sem contar o atendimento à distância, muito comum e igualmente eficaz. Lembrando que, mesmo durante visitas presenciais, o que muda os comportamentos de um cão são: a mudança de hábitos das pessoas com quem convive, a rotina que possui e que tipo de “tarefas” são apresentadas ou não para eles.
Na minha cabeça, quando um adestrador pet moderno visita um lar, faz um atendimento à distância ou simplesmente posta conteúdo em seu blog, o que ele deve ter como objetivo principal é mudar a vida dos cães para melhor e nada mais. Nos meus cursos para formação de adestradores sempre falo essa mesma frase: Primeiro o cão, depois o adestrador e por último o cliente. Isso significa que o desejo de um cliente, só será atendido se for benéfico ao cão e se não colocar em risco à saúde do cão, assim como a do adestrador. E da mesma forma que o trabalho de um adestrador mudou, mudaram as ferramentas.
AS FERRAMENTAS NA EDUCAÇÃO MUDARAM
Coleiras e outros apetrechos que visam causar desconforto ou dor ao cão ainda estão presentes na educação dos cães, mas estão com seus dias contados. Vislumbro um momento no futuro, em que qualquer forma de se causar desconforto, dor, medo ou até mesmo de se obrigar um cão a agir de uma forma que a sociedade impôs a ele, será caracterizada como maus tratos.
Hoje também existem formas mais sofisticadas e disfarçadas de causar desconforto ao cão, mas também penso que em algum momento serão extintas, se não for pela consciência dos humanos, acredito que será através das leis como já está acontecendo em alguns países.
Tenho muito orgulho de dizer que em Curitiba, mais da metade dos cães que estão passeando na rua estão usando peitorais. Me atrevo a dizer que poucas cidades no mundo terão tantos cães passeando de peitoral nas ruas. Esse percentual mostra a consciência dos tutores, mas infelizmente não temos essa mesma amostragem entre adestradores, o que também está com os dias contados.
OS CURSOS PARA ADESTRADORES MUDARAM
Os primeiros cursos que fiz eram todos ao ar livre, sentado na grama ou andando pelo mato. Hoje temos salas confortáveis e o aprendizado à distância. Em muitos cursos nem sequer teremos cães, o que era basicamente essencial na cabeça dos antigos. Um curso sobre cães reativos, por exemplo, é o último lugar onde um cão reativo deve estar a não ser que já esteja capaz de se sentir bem naquele local. Eu não sabia disso quando criei meu primeiro curso sobre reatividade. Hoje mostro vídeos de casos práticos, que possuem um efeito educativo melhor e que não farão mal a cão algum. Como citei, quem ministra esses cursos não será necessariamente um adestrador.
Ainda existem aqueles cursos em que o pretendente a adestrador precisa catar uma quantidade de cocô infinito em 100 canis com cães enjaulados e que “graças à Anubis” nunca fiz. Hoje um adestrador moderno não cata mais cocô… Mentira, a gente cata cocô toda hora, rs, mas não nos cursos que fazemos.
O BOOM DO R+
O número de adestradores que trabalham de forma amigável, baseando suas metodologias na ciência e no reforço positivo aumentou muito, crescendo cada vez mais. Ainda não somos a maioria, mas temos ao nosso lado a ciência, chancelas respeitáveis e statements feitos por entidades importantes no que se diz respeito aos cães. Lembro-me que no passado, quando um debate sobre filosofias de adestramento surgia nos primórdios do Facebook, poucos levantavam os punhos para defender o fim dos aversivos e muitos ainda não tinham o conhecimento e ou a experiência para firmarem o pé sobre o assunto. Hoje é emocionante ver a legião que se formou em defesa dos cães, e que só cresce ao redor do mundo e no Brasil. A vida dos cães mudou para melhor nos últimos vinte anos. O nível dos adestradores melhorou muito e temos excelentes profissionais preocupados com o bem estar dos cães e que além dos seus atendimentos, realizam trabalhos de conscientização sobre educação, comportamento, manejo de baixo estresse e enriquecimento ambiental de qualidade. Esses profissionais baseiam suas metodologias e informações com base em pesquisas científicas e trabalhos reconhecidos.
O AMBIENTE E A ROTINA MUDARAM
No cão senso, John Bradshaw já mencionava que os cães não haviam sido capazes de acompanhar as mudanças na sociedade depois da revolução industrial. Em todos esses anos, a nossa vida mudou em uma velocidade maior ainda. Quando atendo clientes que tiveram cães há uma década ou mais e que manifestam que não tiveram as mesmas dificuldades na educação e adaptação de seus cães, pergunto a eles se o estilo de vida deles na época era diferente da de hoje em dia e a resposta tem sido sempre um certeiro “sim”. Claro que há outros motivos envolvidos nos diferentes comportamentos, mas o fato é que as pessoas têm menos tempo hoje em dia. Além disso, quando têm tempo provavelmente estão no Facebook ou Instagram. Os cães não nasceram para enfeitar um apartamento. Eles necessitam e gostam de atenção. Acredito que um cão é mais feliz em um apartamento apertado se sua família está sempre com ele do que se vive num quintal enorme sem doses diárias e generosas de carinho e atenção. As mudanças no nosso estilo de vida e aos estímulos presentes no cotidiano afetam diretamente os comportamentos apresentados por nossos cães e por conta das mudanças que ocorreram, mudaram também os seus comportamentos.
O TIPO DE CASO MAIS COMUM MUDOU
Os problemas mais comuns apresentados pelos cães também mudaram ao longo deste tempo. Há duas décadas éramos chamados na maioria absoluta das vezes para treinar cães de raça, cães de guarda ou casos de agressividade. Afinal de contas o brasileiro não sabia ter cachorro e eles viviam pelas ruas, em quintais ou canis. Claro que ainda não sabemos, mas evoluímos muito nesse sentido.
Os tutores brasileiros diminuíram a intensidade das broncas e agressões físicas, reduzindo por consequência os problemas de agressividade, os quais hoje não são tão comuns. Os cães brasileiros foram deixando de viver em quintais e mudando para dentro de casa e passamos por uma fase onde a adaptação ao lar, especialmente o treinamento higiênico e problemas com destruição eram os casos mais comuns.
Com as mudanças na sociedade e no estilo de vida chegamos então à era da reatividade.
Da mesma forma que cada vez mais humanos estão propensos a terem dificuldade com a ansiedade, o mesmo acontece com os cães, que têm mais dificuldade que nós para acompanhar a velocidade com que essas mudanças ocorreram e que absorvem e refletem boa parte dos nossos próprios conflitos
Atualmente trabalho oito cães com dificuldades emocionais na presença de determinados estímulos. Classifico estes cães como reativos. Lembrando que esse não é um termo científico e nem um rótulo, mas sim a nomenclatura que a consciência coletiva no adestramento adotou.
Outro aspecto muito interessante, foi a inclusão dos SRDs como “clientes”. Em Curitiba, posso afirmar que mais da metade da clientela da Amigo Fiel, assim como a da Universicão são SRDs resgatados na sua maioria da rua. Os curitibanos são realmente especiais quando o assunto é gostar e cuidar de animais. Espero que em outras grandes cidades do Brasil isso também já seja uma realidade.
Estamos parando de comprar cães e estamos cada vez mais os adotando, o que na minha opinião, especialmente sendo vegano, é o certo a fazer. Já comprei cães e não estou aqui para apontar dedos, mas os cães precisam que tomemos consciência de seus problemas e precisam de nós para resolvê-los. Precisamos fazer algo por estes animais que tanto amamos, e se há milhares deles precisando de um lar, porque criar mais e porque comprar mais?
OS CÃES MUDARAM
Há mais ou menos oito anos lembro de uma conversa que tive em um grupo de adestradores em que citei que na minha opinião os cães haviam mudado de forma geral naquela última década. Hoje isso é ainda mais claro pra mim. Posso divagar sobre os possíveis motivos, mas não posso embasá-los com pesquisas e trata-se somente de uma opinião de quem lidou e ainda lida com muitos deles. Eles parecem ter desenvolvido mais comportamentos “humanos” ao longo do meu tempo trabalhando e convivendo com eles. Expressões focinhais ou faciais, por exemplo são cada vez mais visíveis, como se imitassem as dos humanos. Claro que posso estar simplesmente antropomorfizado, mas penso que o significado de antropomorfização nunca é invariável, já que pouco sabemos sobre os cães e os animais como um todo.
Quando escrevi meu livro, por exemplo, nas partes em que me refiro às emoções e a inteligência, eu tive que dizer na época, que eram as minhas observações e opinião baseada em experiência, porque até então a ciência não reconhecia que os cães eram inteligentes e sencientes. Aliás, se tem alguma coisa que gosto no meu livro, que parece ter sido escrito por outra pessoa e não a pessoa que eu era, é o valor que é dado às emoções e ao afeto que os cães precisam. Embora eu não fizesse a menor ideia na época do que era bem estar e baixo estresse, esse era um dos objetivos do meu livro. Mas, acredito realmente que os cães estão mudando a cada geração e que cada vez serão mais parecidos conosco. Não acho que sejam apenas reflexos das nossas personalidades.
O SERVIÇO DO ADESTRADOR MUDOU
A forma clássica do adestrador que vai na casa e treina o cão três vezes por semana mudou, embora alguns profissionais ainda trabalhem assim. Hoje temos uma variedade de formas de atingirmos os mesmos resultados. Eu particularmente, nem treino cães na maioria absoluta dos meus atendimentos. Passei a trabalhar assim quando fui aconselhado por um amigo de muitos anos, o Ricardo Pinheiro Machado, que hoje dedica o seu tempo ao treinamento de cães guia. Também aprendi com ele há quase duas décadas, que não devíamos puxar a guia do cão com força ou dar trancos. Quando eu dava aula apenas para os cães meus clientes geralmente não estavam satisfeitos, pois não possuíam a mesma cooperação dos seus cães que eu possuía. Além disso, lembro-me de cães que não ficavam felizes ao voltar para casa. Muitos não tinham atenção alguma e tudo que possuíam de bom para fazer, estava associado à minha presença. Era de cortar o coração e eu havia percebido que treinar cães daquela forma, não era prazeroso e recompensador como eu havia imaginado.
Sempre conto a história de um pastor branco suíço que fui chamado para treinar. A senhora, “dona” do cachorro, porque certamente não poderia ser chamada de tutora, pediu que eu ensinasse o cão a abrir portas no quintal que ela pudesse acionar de dentro de casa. Ela queria poder soltar o cão do canil e fazer com que ele acessasse outros pontos do quintal, caso ela precisasse de proteção, sem ter qualquer contato com o cão. Lembro do primeiro momento em que abri o canil e o cão correu para a beira da água, onde começou a tentar morder as ondinhas que batiam no deck. Assim ele fez por quase toda a primeira aula, mesmo com salsicha, petisco que eu gostava de usar na época. Lembro que mudei a vida deste cão e além de abrir as malditas portas automáticas, ele havia se transformado em um cão autoconfiante, feliz e um amigo para toda vida. Ele caminhava na guia, brincava de cabo-de-guerra, bolinha e sabia fazer uma dezena de exercícios. Nossa última aula foi feita com a primeira visita de um figurante e que o cão não teve coragem de enfrentar, algo comum nos primeiros treinos de guarda civil. Um cão que protege uma residência sem um grupo com ele, é fruto de aprendizado por treino ou por experiência real (cães que tiveram manejo duro, apanharam e desenvolveram comportamentos agressivos por conta destas experiências). Porém, a senhora dona do cachorro ficou furiosa e disse que eu havia prometido que ele iria fazer a guarda no período contratado. Certamente não fiz essa promessa, mas a atitude dela depois da transformação que eu fiz no cão, colocou um fim ao meu “atendimento à cães”. Daquele ponto em diante eu só dei aula de adestramento para humanos e eles passaram a ser os responsáveis pelas mudanças de comportamento que desejassem, assim como pela atenção que eles necessitam.
Ensino pessoas e coloco toda a responsabilidade na mão dos tutores, absolutamente toda. Se o cão quiser contato comigo, posso fazer o exercício algumas vezes com o intuito de ajudar e mostrar como se faz, mas coloco o cliente para vivenciar toda a educação do cão. Há muitas formas de atingirmos os mesmos resultados e se nos preocupamos com o bem estar e com um manejo de baixo estresse, todas são válidas.
O TERMO ADESTRADOR
Por conta de tudo isso, o nome adestrador precisará ser substituído. A ideia de se “endireitar” um cão, além de ser um tanto fascista, não condiz com o trabalho que realizamos. Há muitas tentativas de encontrarmos um novo termo, mas ainda não chegamos a um consenso e mesmo quando chegarmos, teremos uma barreira comercial a ser vencida. Não lembro de um cliente sequer que chegou a mim, sem ter procurado um “adestrador” e acredito que levaremos muito tempo para que isso mude.
Nossa, que depoimento incrivel! Obrigada, Tomas
Há 10 anos, quando fundei a Amigo Fiel Adestramento, essa mudança já estava iniciando, mas muita coisa ainda era diferente e hoje temos muito mais estudos. Eu fico muito feliz ao ver essa mudança. Sempre falei que, se cada fizesse sua parcela, seu trabalho de formiguinha, dentro de alguns anos teríamos um cenário muito diferente. Estamos mudando, e para melhor! Sobre o termo, adestrador não é mais o ideal realmente, ainda usamos por uma questão comercial apenas. Acreditl que logo mude também.